sexta-feira, 13 de julho de 2012

Calagem, pH do substrato, nutrientes

O pH do substrato usado para os bonsai é pouco comentado na literatura. Em geral, as recomendações são generalistas (ex.: "Azaléias gostam de solo ácido"). No entanto, a preferência das plantas é muito mais variada que isso, oportunizando criar condições e misturas de substrato que aumentem as chances de ter plantas mais saudáveis.

Acrescentar ao solo calcário dolomítico - pó de rocha calcária derivado predominantemente da dolomita, rica em óxidos de cálcio e magnésio (CaMg{CO3}2 ou CaCO3, MgCO3) - é prática comum em agricultura e genericamente referida como "calagem" ou "correção do solo". Essa "correção" se refere a trazer o pH do solo a níveis mais compatíveis com a saúde das culturas. Um solo com pH menos ácido ou neutro favorece melhor desenvolvimento de raízes e aproveitamento de nutrientes por muitas razões relativas às características físico-químicas e biológicas do sistema todo (chão, bactérias, fungos, plantas, animais, etc.). Correções de solos para plantações duram meses ou até anos, cabendo monitoramento para definir frequencia e qual tipo de nutrientes e de calcário usar. O pH ligeiramente ácido favorece disponibilidade de micronutrientes em forma absorvível para as raízes. Por exemplo, para Manganês a maior disponibilidade ocorre na faixa de pH 5,0 a 6,5. Portanto, a calagem, se alcalinizar muito o solo, e uso de adubos orgânicos, pela formação de complexos estáveis entre matéria orgânica; e excesso de água no substrato podem provocar deficiência desse (e de outros) micronutriente. Há aqui aparente paradoxo: se a calagem piora a disponibilidade de alguns íons (ex. cobre, ferro, zinco), mas melhora a saúde do solo (com potencial benefício para muitas espécies de plantas), o que fazer? Resposta:  ser cuidadoso com calagem nos vasos de bonsai (usar em quantidade muito pequenas e conforme espécie) e adubar muito e variadamente (usando tipos diferentes de adubos foliares e de solo ao longo do ano).

É comum a preferência pelo calcário dolomítico pela maior concentração de magnésio, que melhora a disponibilidade de bases para trocas no solo e é essencial na composição da clorofila, que faz a fotossíntese. Embora em agricultura comercial, ao se fazer a escolha de qual tipo de calcário, também seja importante considerar outros parâmetros - poder de neutralização (PN), reatividade do corretivo (RE) e a consequência de ambos, o PRNT (poder relativo de neutralização total) - eles ainda são sofisticados demais para o estágio em que estou (o que não quer dizer que não possam vir a se mostrar importantes, principalmente considerando que o substrato no vaso, em tão pequeno volume, é imensamente mais instável e susceptível a flutuações rápidas de pH, umidade, temperatura, concentração de nutrientes, etc., que o solo).

No último ano (2011) comecei a fazer calagem nos vasos de algumas plantas, e compartilho o que estou aprendendo. Importante dizer que não se trata de estudo controlado (sequer estou medindo os pH), portanto há que se tomar muito cuidado com as conclusões, pois muitos fatores de confundimento e viezes estão presentes e, se forem considerados, poderão se mostrar mais importantes que o calcário.

O ponto de partida é o fato de muitas espécies exóticas e nativas serem oriundas - e portanto se desenvolverem melhor - de regiões com solos de pH neutro ou ligeiramente alcalino. Isso é razoavelmente correto (ao ponto de ser razoável tentar aplicar aos vasos) para coníferas. Plantas de áreas próximas ao litoral também costumam gostar de pH mais básico.

Abaixo: um shimpaku mostrando a quantidade de calcário em pó (não deve chegar a 0,1% do peso total do substrato) polvilhado "emoldurando" a planta, não diretamente junto ao tronco (mais próximo às bordas do vaso). Com apenas duas aplicações a impressão foi de mudança na cor da folhagem: passaram para um verde mais escuro e - ao menos na aparência - mais saudável.


Abaixo: idem no vaso da Kaizuka. Vale lembrar que shimpakus e kaizukas são variedades da mesma espécie - Juniperus chinensis. É bem possível que, assim como acontece com a madeira tratada com calda sulfocálcica, o apodrecimento de madeira enterrada no substrato também seja diminuído com alcalinização.

A coloração pálida (sem brilho) ou amarelada em coníferas é péssimo sinal. É claro que há muitas causas, mais comuns que o pH ácido do solo (ex.: excesso de água e/ou falta de sol), que podem estar adoecendo as plantas. Contudo, não se pode esquecer que essas plantas de fato evoluíram em regiões de solos não ácidos, ao ponto de algumas delas inclusive tolerarem - e se beneficiarem - leve salinidade (brisa marinha, no Brasil conhecida como "maresia"). Por isso, se alguma medida traz de volta a cor que estava cronicamente desbotada, é de se supor que seja benéfica.

Abaixo: esse pinheiro negro, em vaso de treinamento, parece estar respondendo bem. Após polvilhar o calcário, fazer rega leve para incorporá-lo ao substrato, ou o vento poderá soprar a maior parte.

É pertinente lembrar que diversas medidas de cultivo têm impacto no pH do substrato: uso de carvão misturado ao substrato tende a alcalinizá-lo (aumenta ou no mínimo neutraliza o pH, e misturar carvão ao substrato é considerado medida higiênica e até terapêutica, por exemplo quando há sinais de raízes podres). Essa alcalinização também acontece quando se pulveriza a calda sulfocálcica ou ela escorre da madeira morta tratada com ela (ou seja: se for uma azaléia, pode ser importante proteger o substrato e evitar deixar escorrer para o vaso). Por outro lado, adubos e matéria orgânica (turfa, terra vegetal, bolas de adubo orgânico e seus restos), sejam os usados ao misturar o substrato ou ao fazer adubação durante o ano, tendem a acidificá-lo (abaixar o pH).

Assim como acontece com bebês quando crescem muito rapidamente e esgotam suas reservas de ferro (podem ter necessidade de quantidade maior que a presente na ingesta diária), ficando anêmicos e necessitando de suplementação com vitaminas e ferro na dieta, a brotação muito rápida e exuberante (principalmente após intensa floração ou produção de frutos) pode expoliar nutrientes da planta e debilitá-la.

Uma prática para estimular enraizamento e evitar clorose (intoxicação das plantas pelo cloro presente na água tratada) é colocar cascalho de minério de ferro (fácil de conseguir nos arredores de Belo Horizonte, onde estão muitas minas de ferro, cujo refugo é rico nesse mineral) no substrato, o que tem efeito de acidificação. No entanto, seu uso indiscriminado pode ser contra-producente (conforme a quantidade que - exceto para plantas de solo ácido - sugiro não seja maior que 5% do peso do substrato). Para plantas de solos "não ácidos", fragmentos de palha de aço no fundo do vaso ou prego velho no substrato pode ser menos arriscado. Como medida terapêutica, usar o sulfato ferroso em gotas, de uso pediátrico, na rega (1mL - ou 20 gotas - por litro de água), semanalmente; ou fazer a rega com água "enferrujada" (ex.: água em que foi deixado de molho por vários dias um pouco de palha de aço), pode ajudar em casos específicos. Algumas plantas (ex.: hortênsias - Hydrangea) mudam a cor das flores conforme o teor de ferro e pH do solo.

Abaixo mostro uma bougainvillea cujos sinais de deficiência nutricional podem estar associados a alto teor de matéria orgânica, durante a estação fria, e excesso de umidade. Por isso, parte do tratamento (e da prevenção) é permitir que o substrato seque entre as regas, além de aumentar adubação.
Na foto abaixo: as folhas dessa bouganvillea, que produziu rapidamente folhagem massiva após ter sido desflorada (vide postagem), mostram-se amareladas, com apenas a rede de vasos ("nervuras da folha") verdes. É deficiência de nutriente (em geral de ferro), e também pode estar relacionada a intoxicação por cloro presente na água tratada. Isso acontece por que faço a rega diretamente com água que chega da companhia de saneamento, e não há tempo do cloro evaporar, com exposição das plantas aos cloretos. Se a planta já está com suas reservas de nutrientes comprometida, fica mais vulnerável à clorose. Nesse caso, recebeu suplemento de ferro (sulfato ferroso em gotas, de uso pediátrico, em água de rega) e aumentei a adubação orgânica (Biogold), além de ter oferecido um pouco de restos de café (sem açúcar), que é fonte de muitos micronutrientes. Vamos ver como estarão as folhas novas. Há que frisar: não fiz calagem das bougainvilleas, embora esteja considerando fazê-lo uma a duas vezes ao ano, conforme resposta da planta à adubação.



Abaixo: uso de restos de café para suprir micronutrientes (inclusive Selênio e Molibdênio). A bebida é um ácido fraco, não chega a perturbar o pH do substrato, e é rica em nutrientes pouco disponíveis nas formulações comerciais. Essa foto permite ver que a quantidade folhas novas (após última desfolha - vide postagem) é grande, consumindo nutrientes, o que explica os sinais de desnutrição.

O café é despejado delicadamente sobre as folhas para escorrer pela planta. Em poucos dias as folhas novas virão em cor verde mais escuro e homogêneo (não só as nervuras, mas a área toda da folha). As folhas velhas não "se curam", mas são substituídas gradativamente por folhas saudáveis. A demanda por micronutrientes, como o magnésio, também depende da quantidade de luz que a planta recebe. Se há abundância de luz, as folhas tendem a ser mais claras, uma quantidade pequena de clorofila funciona. Se há falta de luz, é necessário mais clorofila para que a pouca luz seja aproveitada ao máximo, e a demanda por Mg será maior.

Um pouco é colocado diretamente no substrato. A propósito, dá para ver como o nebari está melhorando.

Abaixo: outra forma de aproveitar o café como adubo é dobrar a boca do filtro de papel e deixá-lo algumas semanas no vaso. Coloco o adubo no lado onde desejo que as raízes se desenvolvam mais (melhorem o nebari).

Como disse acima, a umidade e lixiviação também interferem na nutrição. Teoricamente não existe necessidade de regar até a água vazar pelos furos de drenagem. Isso, na verdade, pode ser ruim por lavar os nutrientes do substrato. No entanto, é difícil dosar isso, e é menos arriscado regar até sobrar que interromper quando ainda pode haver partes do substrato que receberam pouca água. De qualquer forma, alguma economia de rega (no sentido de evitar ultrapassar a capacidade e necessidade do vaso) faz sentido e pode ser aprendida com a prática no dia-a-dia, para cada vaso e em cada época do ano, etc, modulando conforme necessidade, para evitar lavar muito o substrato e desperdício de água. Essa economia fica em segundo plano nas épocas de muito calor, quando vale a pena molhar tudo, inclusive as bancadas e o chão ao redor, para refrescar e aumentar a umidade no ambiente todo.

Voltando à calagem, estou tendendo a adotar o seguinte (não é uma regra que eu me atreva a estabelecer): plantas de origem em solos sabidamente "não ácidos" recebem calagem duas a quatro vezes ao ano (somente os shimpaku e criptomerias recebem 4 vezes). Kaedês, casuarinas, ulmus, zelkovas, ficus carica, estão no primeiro grupo (duas vezes ao ano). Seria muito legal tem um medidor de pH para ir medindo a água que escorre pelos furos do vaso (atravessa o substrato) a cada dois ou três dias, o ano todo, para ter uma idéia mais clara do efeito e duração da calagem.

É mais fácil reconhecer o gosto de coníferas por pH mais básico. As caducifólias (imensa maioria das plantas brasileiras) tem diversidade de preferências muito maior. Ainda assim, já estou tendo impressão de que plantas da mata atlântica se beneficiam no mínimo de substrato apenas levemente ácido (adicionar carvão - uma parte em cinco - ao substrato, e fazer calagem uma a duas vezes ao ano). Isso se aplica aos pitecos, cerejas do Rio Grande, ipês e muitas figueiras tropicais. Ainda não estou seguro quanto às caliandras (há algumas, do cerrado que provavelmente irão preferir solos ligeiramente ácidos).

Azaléias (rododendros) e musgos detestam calcário e calda sulfocálcica. Na verdade, não uso nem carvão misturado ao substrato de azaléias (apenas tijolo moído, turfa ou terra vegetal, casca de pinus ou - quando disponível - pó de xaxim). O efeito do carvão no pH é mais por adsorção de ácidos e tendência a neutralizar o pH. O musgo, quando cultivado para tornar o vaso mais bonito, deve ser protegido de calda, ou retirado do vaso e cultivado à parte, só retornando quando se quer expor o vaso.

Abaixo: uma pequena kinzu (laranjinha japonesa, Frutinella japonica, de frutas muito menores que as kinkan), ainda em fase de crescimento. À semelhança da maioria dos cítricos, parece também estar gostando de correção do pH com pulverização de calcário na superfície do vaso duas vezes ao ano. As frutinhas, que consomem muita energia da planta, estão sendo deixadas amadurecer para aproveitar as sementes. Essa planta é a segunda geração que produzo (é filha de outra kinzu, que frutificou e teve sementes colocadas nesses vasos).

Acima: close das laranjinhas, a maior tinha 1,3cm de diâmetro. Fafá comeu 4, uma delas tinha duas sementes, ou seja: plantei mais cinco sementes hoje.
Alheias à confusão ao seu redor, essas orquídeas nativas estão em casa. Não está sendo difícil mantê-las felizes com adubação foliar, e praticamente não há substrato no vaso - fibras de xaxim, que quando velho também fica muito ácido, mas por ora não tem sido problema.

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