terça-feira, 24 de julho de 2012

Uso da calda sulfocálcica 1

A calda sulfocálcica para eliminar ou prevenir pragas (fungos, caracóis, cochonilhas, pulgões, etc.) e adubar a planta é aplicada três semanas consecutivas no inverno (antes das gemas começarem a inchar), em diluição de 25 a 30mL/L de água e borrifada na planta toda (inclusive troncos, cavidades, etc.). Essa aspersão é feita no final do dia (idealmente, momento mais fresco e sem vento), logo depois de leve rega para umidificar as folhas e substrato, deixando passar a noite e regando de novo abundantemente na manhã seguinte para evitar que eventuais gotas concentradas da solução queimem a planta quando o sol esquentar.
Além dessa utilização (que tem efeitos preventivos, terapêuticos e de fortalecer a planta), existem situações onde se usa concentrações maiores de 30mL/L (por exemplo, para fazer uma desfolha quimica, usando uns 60mL/L e borrifando a planta que se quer desfolhar - útil para grandes kaedês ou em viveiros com muitas plantas), ou mesmo pura, por exemplo, ao tratar madeira morta ou fazer limpeza de troncos que se quer clarear.
Esses usos podem ser potencialmente danosos para as raízes, principalmente quando a planta não gosta de pH básico, ou quando os fungos - micorriza - que vivem em simbiose com a árvore (como nos pinheiros negros) podem ser prejudicados pela calda (que tem efeito fungicida, aliás uma de suas utilidades).

Pesquisando técnicas de uso da calda em sites japoneses, encontrei no endereço
http://homepage2.nifty.com/miyamotoen/bonsai-turedurekusa-4/top.htm
exemplos de como proteger o substrato e as raízes.

Primeiro: usando solução de calda (30mL/L) para tratar um pinheiro negro jovem, evitando perturbar as raízes. Solução preparada em balde grande. Com a experiência, a cor da solução acaba sendo uma referência boa para se ter idéia da concentração. Tem de ser misturada (veja como tende a ser mais concentrada no fundo, ficando água limpa em cima).



Abaixo: a planta deve estar firme no vaso, e pode precisar ser amarrada para não cair.


Abaixo: usando um balde profundo, a planta toda (até o começo do nebari) é imersa na solução e retirada rapidamente (apenas o tempo de molhar tudo, exceto o substrato).


Abaixo: coloca-se a planta apoiada para escorrer o excesso para fora do vaso (em posição que permita escorrer e gotejar sem fluir para o substrato).


Abaixo: efeito final do tratamento. Esse tratamento radical é útil para eliminar fungos e pragas das agulhas e galhos. Pode queimar gemas novas: não fazer logo depois (menos de 60 dias) de pinçagem das agulhas nem de podas drásticas que tenham deixado feridas: a calda se for absorvida pelos vasos abertos pode matar o galho ou até a planta toda. O aspecto brancacento do tronco e galhos irá desbotar lentamente com as regas (pode levar um ano para voltar à cor normal da casca). Uma escovação leve depois de uns 60 dias também ajuda.



Abaixo: outro uso, agora de solução concentrada (pura) para clarear o tronco de um pequeno kaedê, desfolhado, protegendo o nebari com um pano absorvente para não deixar escorrer para o substrato.



Abaixo: cuidado ao pintar os galhos: gemas novas serão queimadas e mortas. Melhor se ater às partes nuas do tronco e galhos mais grossos, primários.


Abaixo: concluindo o tratamento: eliminar o excesso do pincel, evitando deixar escorrer.


Abaixo: trabalho feito. A cor amarela irá se tornar branca em um ou dois dias. Esse tratamento é mais seguro logo depois (uns 10 dias) da poda dos ramos, antes que as gemas inchem, para evitar que sejam queimadas.


Tratamentos com calda são parte dos cuidados de inverno, antes das plantas "acordarem" e a brotação começar. Não tenho coragem de fazer esses tratamentos com calda depois de transplantar, a não ser quando uma planta é arrancada do chão e colocada no primeiro vaso de treinamento. Nesse caso, a primeira rega da planta recém recolhida (ex.: yamadori), imediatamente depois de ter sido acomodada em vaso, é com solução concentrada de calda - 45mL/L de água, e o propósito é exatamente eliminar fungos do substrato e proteger as raízes feridas, que ainda não começaram a emitir novas raízes ciliares.

A pior época para fazer tratamentos com calda é quando as gemas e brotos de folhas e flores estão começando a abrir, ou entre o terceiro e o trigésimo dia após transplante, quando as raízes novas estão sendo produzidas e ainda são muito frágeis. Plantas com alporque ou feridas abertas também são mais vulneráveis: as raízes do alporque podem ser queimadas, e as feridas podem absorver calda e queimar os vasos de circulação em ambos os sentidos (raízes - folhas e vice-versa). Fora isso, calda sulfocálcica é essencial em bonsaísmo.

Abaixo, exemplo da utilidade da calda: o tosho, com a madeira tratada, indo muito bem. O ten-kei é uma coruja de ônix. Como já imaginava (vide a postagem "ten kei"), uma ave de rapina combina muito bem com esses juníperus que têm madeira morta (shari). O vaso decorado é japonês, "tokoname" (procedente da região de Tokoname).

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Calagem, pH do substrato, nutrientes

O pH do substrato usado para os bonsai é pouco comentado na literatura. Em geral, as recomendações são generalistas (ex.: "Azaléias gostam de solo ácido"). No entanto, a preferência das plantas é muito mais variada que isso, oportunizando criar condições e misturas de substrato que aumentem as chances de ter plantas mais saudáveis.

Acrescentar ao solo calcário dolomítico - pó de rocha calcária derivado predominantemente da dolomita, rica em óxidos de cálcio e magnésio (CaMg{CO3}2 ou CaCO3, MgCO3) - é prática comum em agricultura e genericamente referida como "calagem" ou "correção do solo". Essa "correção" se refere a trazer o pH do solo a níveis mais compatíveis com a saúde das culturas. Um solo com pH menos ácido ou neutro favorece melhor desenvolvimento de raízes e aproveitamento de nutrientes por muitas razões relativas às características físico-químicas e biológicas do sistema todo (chão, bactérias, fungos, plantas, animais, etc.). Correções de solos para plantações duram meses ou até anos, cabendo monitoramento para definir frequencia e qual tipo de nutrientes e de calcário usar. O pH ligeiramente ácido favorece disponibilidade de micronutrientes em forma absorvível para as raízes. Por exemplo, para Manganês a maior disponibilidade ocorre na faixa de pH 5,0 a 6,5. Portanto, a calagem, se alcalinizar muito o solo, e uso de adubos orgânicos, pela formação de complexos estáveis entre matéria orgânica; e excesso de água no substrato podem provocar deficiência desse (e de outros) micronutriente. Há aqui aparente paradoxo: se a calagem piora a disponibilidade de alguns íons (ex. cobre, ferro, zinco), mas melhora a saúde do solo (com potencial benefício para muitas espécies de plantas), o que fazer? Resposta:  ser cuidadoso com calagem nos vasos de bonsai (usar em quantidade muito pequenas e conforme espécie) e adubar muito e variadamente (usando tipos diferentes de adubos foliares e de solo ao longo do ano).

É comum a preferência pelo calcário dolomítico pela maior concentração de magnésio, que melhora a disponibilidade de bases para trocas no solo e é essencial na composição da clorofila, que faz a fotossíntese. Embora em agricultura comercial, ao se fazer a escolha de qual tipo de calcário, também seja importante considerar outros parâmetros - poder de neutralização (PN), reatividade do corretivo (RE) e a consequência de ambos, o PRNT (poder relativo de neutralização total) - eles ainda são sofisticados demais para o estágio em que estou (o que não quer dizer que não possam vir a se mostrar importantes, principalmente considerando que o substrato no vaso, em tão pequeno volume, é imensamente mais instável e susceptível a flutuações rápidas de pH, umidade, temperatura, concentração de nutrientes, etc., que o solo).

No último ano (2011) comecei a fazer calagem nos vasos de algumas plantas, e compartilho o que estou aprendendo. Importante dizer que não se trata de estudo controlado (sequer estou medindo os pH), portanto há que se tomar muito cuidado com as conclusões, pois muitos fatores de confundimento e viezes estão presentes e, se forem considerados, poderão se mostrar mais importantes que o calcário.

O ponto de partida é o fato de muitas espécies exóticas e nativas serem oriundas - e portanto se desenvolverem melhor - de regiões com solos de pH neutro ou ligeiramente alcalino. Isso é razoavelmente correto (ao ponto de ser razoável tentar aplicar aos vasos) para coníferas. Plantas de áreas próximas ao litoral também costumam gostar de pH mais básico.

Abaixo: um shimpaku mostrando a quantidade de calcário em pó (não deve chegar a 0,1% do peso total do substrato) polvilhado "emoldurando" a planta, não diretamente junto ao tronco (mais próximo às bordas do vaso). Com apenas duas aplicações a impressão foi de mudança na cor da folhagem: passaram para um verde mais escuro e - ao menos na aparência - mais saudável.


Abaixo: idem no vaso da Kaizuka. Vale lembrar que shimpakus e kaizukas são variedades da mesma espécie - Juniperus chinensis. É bem possível que, assim como acontece com a madeira tratada com calda sulfocálcica, o apodrecimento de madeira enterrada no substrato também seja diminuído com alcalinização.

A coloração pálida (sem brilho) ou amarelada em coníferas é péssimo sinal. É claro que há muitas causas, mais comuns que o pH ácido do solo (ex.: excesso de água e/ou falta de sol), que podem estar adoecendo as plantas. Contudo, não se pode esquecer que essas plantas de fato evoluíram em regiões de solos não ácidos, ao ponto de algumas delas inclusive tolerarem - e se beneficiarem - leve salinidade (brisa marinha, no Brasil conhecida como "maresia"). Por isso, se alguma medida traz de volta a cor que estava cronicamente desbotada, é de se supor que seja benéfica.

Abaixo: esse pinheiro negro, em vaso de treinamento, parece estar respondendo bem. Após polvilhar o calcário, fazer rega leve para incorporá-lo ao substrato, ou o vento poderá soprar a maior parte.

É pertinente lembrar que diversas medidas de cultivo têm impacto no pH do substrato: uso de carvão misturado ao substrato tende a alcalinizá-lo (aumenta ou no mínimo neutraliza o pH, e misturar carvão ao substrato é considerado medida higiênica e até terapêutica, por exemplo quando há sinais de raízes podres). Essa alcalinização também acontece quando se pulveriza a calda sulfocálcica ou ela escorre da madeira morta tratada com ela (ou seja: se for uma azaléia, pode ser importante proteger o substrato e evitar deixar escorrer para o vaso). Por outro lado, adubos e matéria orgânica (turfa, terra vegetal, bolas de adubo orgânico e seus restos), sejam os usados ao misturar o substrato ou ao fazer adubação durante o ano, tendem a acidificá-lo (abaixar o pH).

Assim como acontece com bebês quando crescem muito rapidamente e esgotam suas reservas de ferro (podem ter necessidade de quantidade maior que a presente na ingesta diária), ficando anêmicos e necessitando de suplementação com vitaminas e ferro na dieta, a brotação muito rápida e exuberante (principalmente após intensa floração ou produção de frutos) pode expoliar nutrientes da planta e debilitá-la.

Uma prática para estimular enraizamento e evitar clorose (intoxicação das plantas pelo cloro presente na água tratada) é colocar cascalho de minério de ferro (fácil de conseguir nos arredores de Belo Horizonte, onde estão muitas minas de ferro, cujo refugo é rico nesse mineral) no substrato, o que tem efeito de acidificação. No entanto, seu uso indiscriminado pode ser contra-producente (conforme a quantidade que - exceto para plantas de solo ácido - sugiro não seja maior que 5% do peso do substrato). Para plantas de solos "não ácidos", fragmentos de palha de aço no fundo do vaso ou prego velho no substrato pode ser menos arriscado. Como medida terapêutica, usar o sulfato ferroso em gotas, de uso pediátrico, na rega (1mL - ou 20 gotas - por litro de água), semanalmente; ou fazer a rega com água "enferrujada" (ex.: água em que foi deixado de molho por vários dias um pouco de palha de aço), pode ajudar em casos específicos. Algumas plantas (ex.: hortênsias - Hydrangea) mudam a cor das flores conforme o teor de ferro e pH do solo.

Abaixo mostro uma bougainvillea cujos sinais de deficiência nutricional podem estar associados a alto teor de matéria orgânica, durante a estação fria, e excesso de umidade. Por isso, parte do tratamento (e da prevenção) é permitir que o substrato seque entre as regas, além de aumentar adubação.
Na foto abaixo: as folhas dessa bouganvillea, que produziu rapidamente folhagem massiva após ter sido desflorada (vide postagem), mostram-se amareladas, com apenas a rede de vasos ("nervuras da folha") verdes. É deficiência de nutriente (em geral de ferro), e também pode estar relacionada a intoxicação por cloro presente na água tratada. Isso acontece por que faço a rega diretamente com água que chega da companhia de saneamento, e não há tempo do cloro evaporar, com exposição das plantas aos cloretos. Se a planta já está com suas reservas de nutrientes comprometida, fica mais vulnerável à clorose. Nesse caso, recebeu suplemento de ferro (sulfato ferroso em gotas, de uso pediátrico, em água de rega) e aumentei a adubação orgânica (Biogold), além de ter oferecido um pouco de restos de café (sem açúcar), que é fonte de muitos micronutrientes. Vamos ver como estarão as folhas novas. Há que frisar: não fiz calagem das bougainvilleas, embora esteja considerando fazê-lo uma a duas vezes ao ano, conforme resposta da planta à adubação.



Abaixo: uso de restos de café para suprir micronutrientes (inclusive Selênio e Molibdênio). A bebida é um ácido fraco, não chega a perturbar o pH do substrato, e é rica em nutrientes pouco disponíveis nas formulações comerciais. Essa foto permite ver que a quantidade folhas novas (após última desfolha - vide postagem) é grande, consumindo nutrientes, o que explica os sinais de desnutrição.

O café é despejado delicadamente sobre as folhas para escorrer pela planta. Em poucos dias as folhas novas virão em cor verde mais escuro e homogêneo (não só as nervuras, mas a área toda da folha). As folhas velhas não "se curam", mas são substituídas gradativamente por folhas saudáveis. A demanda por micronutrientes, como o magnésio, também depende da quantidade de luz que a planta recebe. Se há abundância de luz, as folhas tendem a ser mais claras, uma quantidade pequena de clorofila funciona. Se há falta de luz, é necessário mais clorofila para que a pouca luz seja aproveitada ao máximo, e a demanda por Mg será maior.

Um pouco é colocado diretamente no substrato. A propósito, dá para ver como o nebari está melhorando.

Abaixo: outra forma de aproveitar o café como adubo é dobrar a boca do filtro de papel e deixá-lo algumas semanas no vaso. Coloco o adubo no lado onde desejo que as raízes se desenvolvam mais (melhorem o nebari).

Como disse acima, a umidade e lixiviação também interferem na nutrição. Teoricamente não existe necessidade de regar até a água vazar pelos furos de drenagem. Isso, na verdade, pode ser ruim por lavar os nutrientes do substrato. No entanto, é difícil dosar isso, e é menos arriscado regar até sobrar que interromper quando ainda pode haver partes do substrato que receberam pouca água. De qualquer forma, alguma economia de rega (no sentido de evitar ultrapassar a capacidade e necessidade do vaso) faz sentido e pode ser aprendida com a prática no dia-a-dia, para cada vaso e em cada época do ano, etc, modulando conforme necessidade, para evitar lavar muito o substrato e desperdício de água. Essa economia fica em segundo plano nas épocas de muito calor, quando vale a pena molhar tudo, inclusive as bancadas e o chão ao redor, para refrescar e aumentar a umidade no ambiente todo.

Voltando à calagem, estou tendendo a adotar o seguinte (não é uma regra que eu me atreva a estabelecer): plantas de origem em solos sabidamente "não ácidos" recebem calagem duas a quatro vezes ao ano (somente os shimpaku e criptomerias recebem 4 vezes). Kaedês, casuarinas, ulmus, zelkovas, ficus carica, estão no primeiro grupo (duas vezes ao ano). Seria muito legal tem um medidor de pH para ir medindo a água que escorre pelos furos do vaso (atravessa o substrato) a cada dois ou três dias, o ano todo, para ter uma idéia mais clara do efeito e duração da calagem.

É mais fácil reconhecer o gosto de coníferas por pH mais básico. As caducifólias (imensa maioria das plantas brasileiras) tem diversidade de preferências muito maior. Ainda assim, já estou tendo impressão de que plantas da mata atlântica se beneficiam no mínimo de substrato apenas levemente ácido (adicionar carvão - uma parte em cinco - ao substrato, e fazer calagem uma a duas vezes ao ano). Isso se aplica aos pitecos, cerejas do Rio Grande, ipês e muitas figueiras tropicais. Ainda não estou seguro quanto às caliandras (há algumas, do cerrado que provavelmente irão preferir solos ligeiramente ácidos).

Azaléias (rododendros) e musgos detestam calcário e calda sulfocálcica. Na verdade, não uso nem carvão misturado ao substrato de azaléias (apenas tijolo moído, turfa ou terra vegetal, casca de pinus ou - quando disponível - pó de xaxim). O efeito do carvão no pH é mais por adsorção de ácidos e tendência a neutralizar o pH. O musgo, quando cultivado para tornar o vaso mais bonito, deve ser protegido de calda, ou retirado do vaso e cultivado à parte, só retornando quando se quer expor o vaso.

Abaixo: uma pequena kinzu (laranjinha japonesa, Frutinella japonica, de frutas muito menores que as kinkan), ainda em fase de crescimento. À semelhança da maioria dos cítricos, parece também estar gostando de correção do pH com pulverização de calcário na superfície do vaso duas vezes ao ano. As frutinhas, que consomem muita energia da planta, estão sendo deixadas amadurecer para aproveitar as sementes. Essa planta é a segunda geração que produzo (é filha de outra kinzu, que frutificou e teve sementes colocadas nesses vasos).

Acima: close das laranjinhas, a maior tinha 1,3cm de diâmetro. Fafá comeu 4, uma delas tinha duas sementes, ou seja: plantei mais cinco sementes hoje.
Alheias à confusão ao seu redor, essas orquídeas nativas estão em casa. Não está sendo difícil mantê-las felizes com adubação foliar, e praticamente não há substrato no vaso - fibras de xaxim, que quando velho também fica muito ácido, mas por ora não tem sido problema.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Shimpaku Hokaido - alporque

Shimpaku é o nome japonês de uma das variedades do Juniperus chinensis. De acordo com a procedência, há "sub-variedades", como por exemplo a de Hokaido.
Essa árvore foi cultivada por Hidaka em escorredor de macarrão (cheio de substrato) o qual fora colocado em "mamadeira" (uma cuia maior, sobre a qual o fundo do escorredor é aposto, enterrando apenas levemente) durante 8 anos, a partir de estaca ponteiro, até ser adquirida em 2009, quando comecei os trabalhos. Ao fazer o primeiro transplante, em final de agosto de 2009, notei que o tronco era mais comprido que eu havia imaginado (estava em parte enterrado) e, pior, havia inversão da conicidade -a parte do tronco próxima ao nebari era mais fina e depois se encorpava (o ideal é que o tronco tenha alguma conicidade, vá afinando em direção ao ápice).

Abaixo: 12 de outubro de 2010. A inversão do tronco estava disfarçada por trás da pedra.
Durante uns 2 anos convivi com a planta, mas sempre insatisfeito. Então, em março de 2011, fiz um alporque na parte do tronco logo acima do ponto onde ocorria a inversão (não tenho fotos, era logo abaixo da parte que dá para ver desaparecendo atrás da pedra na foto acima).

O alporque ficou 6 meses permitindo desenvolvimento de raízes. Então, em setembro de 2011, o alporque foi separado da parte de baixo do tronco e a árvore teve grande parte da folhagem retirada, pois haviam poucas raízes, e colocada em vaso grande, de treinamento, que cobria inclusive a saída dos dois primeiros galhos.

Hoje, 9 de julho de 2012, finalmente criei coragem para ver como estavam as raízes. Vamos ver o que foi feito nas fotos a seguir.
Abaixo: ao ser retirada do vaso, a planta mostrou grande número de raízes de ótimo comprimento. Havia restos do sfagno que foi usado no alporque. A folhagem da árvore ainda não se recuperou totalmente, mas está brotando.

Abaixo: o tronco que estava descoberto está escuro, a parte do tronco que foi separada do alporque é clara (sem casca) e acaba em toco. Dá para ver como o tronco era comprido e reto na parte inicial.

Abaixo: tendo virado a árvore de cabeça para baixo para expor o toco que ficou do resíduo do alporque. Essa parte do tronco é a que foi descascada para estimular formação de raízes acima. As raízes novas estão caindo abaixo dele.
Usando um alicate côncavo "monstro". É muito melhor que usar serra, pois o alicate, além de fazer corte limpo e ligeiramente côncavo, não sacode a planta (o que poderia estragar algumas raízes). Foi preciso força, mesmo um pedaço pequeno de madeira, para ser cortada de uma vez só, dá trabalho. Outra alternativa seria ir "comendo" o toco com alicate menor, mas seria mais lento e o corte menos regular.

Abaixo: o toquinho residual do alporque cortado.

Abaixo: além da área do alporque, alguns galhos que estavam semi-cobertos também emitiram raízes. Não as retirei, pois isso aumenta tanto as chances da árvore continuar se recuperando como as alternativas para estilização (inclusive, por exemplo, fazer outras árvores com esses galhos que já tem raízes próprias).

Abaixo, mais uma foto da massa de raízes novas. Não esperava que se formassem tantas. Sinal de que está indo tudo bem.

Abaixo: posicionando a árvore em vaso de treinamento, raso. A idéia é favorecer formação de nebari superficial e aproveitar o grande número de raízes, evitando ao máximo cortá-las, para que a recuperação da folhagem (próxima etapa) também seja rápida).


Abaixo: embora as raizes estejam em ótimo formato, irradiadas e "em tabuleiro" ao redor do tronco, a árvore ainda fica instável se depender das raízes para se segurar no vaso. Um arame passado nos furos do vaso, por baixo, e amarrado ao tronco (de preferência à madeira morta, para não ferir a casca) resolve.

Abaixo: um pouco de sfagno úmido para proteger as raízes novas, evitando que sequem.

Abaixo: não é exatamente a hora, mas com a ótima massa de raízes que já existe e com os numerosos brotos novos, achei que compensaria já oferecer um pouco de adubo orgânico: coloquei uns quatro tabletes de Biogold ao redor da planta. Em tempo: os restos de folhagem sobre a mesa não são desse shimpaku, mas de outra planta (Tosho, que foi pinçado).

Abaixo: aproximadamente o mesmo ângulo da primeira foto (onde aparece mais inclinado), para dar uma idéia do quanto a planta ficou mais baixa e com movimento do tronco mais evidente. O vaso tem 3,5 cm de profundidade.
Os shari foram tratados com calda sulfocálcica. Retornou direto para a bancada, a pleno sol. Isso por que não cortei praticamente raíz nenhuma e ainda tem pouca folhagem. Por via das dúvidas, foi pulverizado Superthrive (2mL/100mL de água). Vai ser aramada somente daqui a uns 3 meses, e vai ficar muito legal. A despeito da enorme diferença entre os climas de Hokaido e Belo Horizonte, essas plantas se adaptaram muito bem por aqui.

domingo, 8 de julho de 2012

Calliandra spinosa - aramação ("wiring")

Essa Calliandra spinosa veio de yamadori no Nordeste do Brasil. As fotos abaixo mostram que já estava estabilizada, com brotação e flores (estames brancos, que ficam cor de rosa quando vão secando, e pétalas rosadas). Até agora a única espécie de Calliandra com flores perfumadas que conheço.

Abaixo, fotos do dia da chegada (28/jun/12), com longos brotos em várias direções.

Frente (presumida, talvez seja invertida, vamos com calma)

Abaixo: lado E. Veja-se a inclinação do ápice para a frente, em excesso.

Abaixo. o que por ora é a parte de trás da árvore, onde o nebari parece um pouco melhor. A posição dos galhos (e algum trabalho no shari) teria de ser muito mudada para que esse ângulo passasse a ser a frente.

Abaixo: atual lado D


Em 8 de julho de 2012, dez dias depois de colocada no novo lar e dois dias depois de ter sido pulverizada com calda sulfocálcica (20mL/1L) a planta continua brotando, sinal de que está tudo bem. Hora de começar a resolver a posição da árvore e dos galhos.

Abaixo: Possível frente, com o vaso inclinado para trás, para compensar um pouco o ápice que estava muito caído para a frente, os brotos novos aramados e alguns galhos ancorados. O ápice continua muito confuso, mas não vou tirar folhagem por hora (poderia atrasar o desenvolvimento da árvore).

Abaixo: ligeiramente à D, outra opção de frente. Veja-se a aramação dos brotos longos novos: como o tronco é sinuoso, os galhos também devem ser. Nem todos os brotos novos foram aramados. Detalhes: a aramação dos brotos novos é bem frouxa (eles irão engrossar rápido e poderiam ser estrangulados) e as pontas são viradas para cima (para estimular continuidade no crescimento). Há mais detalhes que mostro adiante. Nessa fase, a aramação dos brotos vai até onde se espera que a copa futuramente seja formada (o que fica de fora da aramação provavelmente será cortado quando os galhos estiverem mais evoluídos).

Abaixo: close da ancoragem que "puxa" o galho para baixo (mais fino), atada ao arame que dá movimento ao galho (mais grosso e escuro). Mesmo sendo de casca corticosa (com menor risco de machucar o galho), sempre que possível evito ancorar (os arames que tracionam os galhos para baixo e levemente para o lado, amarrados à borda da cuia) diretamente nos próprios galhos: prefiro passar pelo arame que foi usado para dar movimento. Isso funciona se a ancoragem for leve (não ser preciso grande tensão para no arame para posicionar o galho).

Abaixo: outro ângulo, para ir criando familiaridade com a planta e pensando alternativas e detalhes. Nesse ângulo, o ápice atual fica mais alto que o shari (e que o ten-jin).

Abaixo: atual "costas" da árvore

Abaixo: atual lado D.

Abaixo, detalhe da aramação de ramo novo longo. Para posicionar corretamente os brotos, o ramo é curvado (com o arame) de forma que os brotos fiquem de "fora das curvas" - ao crescer, os brotos ficam para fora da curvatura do galho. Isso é um perigo, pois a tensão sobre a parte curva do galho não tem apoio do arame, ele pode se quebrar (a parte da curva que fica "para fora" é onde a tensão para entortar o galho é máxima). Ao dar movimento aos galhos com o arame, além de corrigir posição e obter coerência com padrão do tronco - também movimentado, um moyogi - consegue-se ainda melhorar o adensamento da folhagem - e da copa -, pois os longos espaços entre os brotos ("entre-nós") são aproximados.

Abaixo: de volta à bancada. Veja como o vaso foi mantido inclinado com ajuda de pedras. Além de ajudar a "ver a planta" (o exercício que ainda tem muito de imaginação, a "visão de como será" serve para ir orientando o que fazer), também faz com que os brotos e folhas se desenvolvam tendo a nova posição como natural. Isso por que os brotos crescem orientados pela gravidade (geotropismo) e pela luz (fototropismo). Se são deixados crescer em posição diferente daquela que se deseja para o bonsai, poderá ser perdida oportunidade de formar a folhagem e patamares, acrescentando retrabalhos ou no mínimo necessidade da planta se re-adaptar a outra posição. É claro que a planta toda tem ar inacabado, e que a própria aramação tem muito a melhorar. Parece trabalho de amador. E é.