segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um viveiro de bonsai no cerrado.

Sem espaço em casa, e com intenção de deixar algumas plantas "engordarem" (na verdade, principalmente engrossarem os troncos), levei várias plantas para uma pequena estufa na fazenda. Estufa é exagero: são apenas canteiros cercados com tela (para os bichos do quintal - porcos, vacas, cavalos, galinhas, perus, etc)  deixarem as plantas em paz, e com sombrite de 20% para proteção contra granizo e insolação.

Foto acima: a parte da E, próxima às árvores (sibipirunas) fica mais protegida do sol (meia sombra), e foi escolhida para plantas que vão bem nessas condições. Estou cultivando tanto espécies exóticas como nativas. A maioria das plantas hoje mostrada é exótica. Esse viveiro também vai servir para acolher yamadori de árvores do cerrado cujo "desmame" do chão foi iniciado nos arredores: cagaiteiras, pau de óleo, ipês, aroeira do sertão e sibipirunas.

O chão aqui não é fértil nem ideal para bonsai: ácido, argiloso, pobre em nutrientes e pouco aerado. Os canteiros foram feitos com esterco, carvão triturado (restos da carvoaria local), um pouco do chão que foi destocado e revirado, e areia de rio. O substrato ficou com 30 a 40 cm de profundidade, e levemente descaído. Um meio fio para barrar enxurrada foi feito no lado D. Assim como o carvão, os postes usados na construção são em maioria de eucaliptos do cultivo local. Uns poucos postes são de aroeira, também local, e a moldura dos canteiros de bambu, colhido no quintal. A água vem de nascente, e é de excelente qualidade, sem dureza e pH ótimo, além de super-abundante: a roda d´água bombeia 25 mil litros/dia, abastece com folga a fazenda toda.

Acima: ponta leste do viveiro, mais à sombra. O vaso à E, mais alto, tem estacas de cerejeiras (ume) com três anos, e mal passaram dos dois cm. Crescem lentamente. A primeira muda, de onde essas estacas foram replicadas, foi presente do Hidaka: "pranta na frente da casa, dá muita fror, murér gosta, né?". Fafá gosta mesmo. Só que demora a florir, tem dado só um pouquinho de flores na primavera. Acho que o cerrado mineiro é quente demais para elas.


Nas visitas aproveito para bater algum foliar ou inseticida. Tenho sempre tentado usar apenas os não tóxicos: calda bordalesa, calda sulfocálcica, rotenona, etc. Dessa vez foi usado adubo foliar (hufimax). Já estava escurecendo. Até agora não tive amolação com formigas cortadeiras (saúvas, gênero Atta). Nas plantações de eucaliptos ao redor elas são combatidas há décadas, isso deve estar diminuindo a população delas na fazenda toda.

Abaixo: João Pedro junto ao canteiro de mirtáceas. João está crescendo mais rápido que as plantas. Parece bambu, de um dia para o outro já ficou mais alto.

Neste lado do viveiro, ao fundo (parte sombreada) estão matrizes de flores que quero conservar para minha casa nova (clivias, açucenas, orquídeas),  kaedes, viburnos, piracantas, ulmus em estacas. Na parte à frente do João, mirtáceas e figueiras (fiz fotos só de uma delas, mostrada acima). Não fotografei o fundo à E, onde estão buganvileas, ipês, outras nativas, e coníferas.

Abaixo: Esse fícus foi mostrado em postagem anterior, na foto abaixo é como estava quando foi concluído aquele trabalho. À D dele um pequeno Ficus nerifolia. Os nerifolia são cinco e estão crescendo muito mais lentamente que os outras espécies. Nessa foto também dá para ver um piteco, à D, ao fundo. Pitecos são muito espinhentos e plantei no canto do viveiro para não dificultar manejo das outras.

Abaixo, como está agora o ficus da foto anterior, recebendo adubo foliar. Nessa época a recuperação é mais lenta. O inverno aqui começou em 21 de junho de 2012, esse ano está mais brando (mais úmido e menos frio). Bom para essas plantas tropicais. Lembrando que geadas não eram raras até uns 20 anos atrás (ou seja, temperaturas abaixo de zero em junho e julho não eram um absurdo por aqui, mas estão ficando cada vez mais raras. Será efeito do tal aquecimento global?)

Um mistério e boa surpresa: árvore abaixo é nativa, está mostrando todas as características necessárias para bonsai: crescimento rápido, aceita e cicatriza fácil as podas, tolera muito bem transplantes, rebrota fácil em todo o tronco e as folhas reduzem de tamanho facilmente. Só não sei o que é ainda. Nasceu à beira da piscina, em Belo Horizonte, provavelmente de sementes trazidas por pássaros ou morcegos, retirei do chão quando era estaquinha com 1cm de diâmetro. Colocada no chão em outubro de 2010, já está com uns 14cm. O nebari também se forma muito fácil. Abaixo como havia ficado no início do outono, quando retirei do chão para corrigir raízes muito grandes e aproveitei para uma poda drástica.

Abaixo, como estava mais de um mês depois, 22 de junho de 2012, recuperando-se.  Sobre esta árvore por ora não identificada, acrescento: estacas de ponteiros não vingaram, mas a época não era boa, vou tentar de novo em outubro. Veja-se a quantidade de brotos novos em todos os galhos e no tronco, importante para facilitar formação da árvore e adensamento da copa. Em tempo: não conheço termo similar ao "back budding" do inglês: pode-se dizer "brotação para trás", e talvez uma tradução precise de neologismo: "retrobrotação", para a capacidade de emitir brotos no tronco ou na parte proximal  dos galhos (próxima ao tronco, contrário de "distal", que se refere às pontas). Passarei a usar tanto "brotar para trás" como "retrobrotação".
 Acima: ao fundo, uma tuia. A maioria das coníferas vai bem no cerrado. As criptomerias morreram (todas as seis estacas, aparentemente de fungos). Estaquinhas de shimpaku estão indo muito bem. Todas plantadas sobre alguma superfície plana (ex.: azulejo ou pedra chata, prato, etc.) para formar nebari.

Acima: esse tronco grosseiramente podado é um ulmus. Eles vão muito bem no cerrado: essa muda está crescendo super rápido. A maior parte do nebari está enterrada superficialmente.

Abaixo como está, já rebrotando. Muitas raízes dele, mais grossas, foram usadas como estacas e estão se desenvolvendo (embora apenas 8 das 22 tenham "pegado" - as outras secaram. Mais uma vez deve ser dado o desconto da época inapropriada para estaquia). O grande "pescoço" tão grosseiramente cortado vai precisar ser trabalhado na próxima primavera para começar a ser formada copa, melhorando o movimento e a conicidade. Uma das desvantagens dos viveiros longe de casa é que as plantas não são trabalhadas no ritmo ideal: tem coisas que não dá para ficar esperando. Dizer que paciência é essencial para bonsai é só parte da história: algumas intervenções precisam ser "just in time", a espera pode ser não só atraso, mas perda de trabalho que precisará ser refeito. Talvez uma "percepção mais aguda de tempo" seja mais importante que paciência.

Abaixo: como era esse ulmus antes de ser colocado no chão. As fotos abaixo são de 12 de outubro de 2010. A grande ferida, onde o tronco foi radicalmente podado, está cicatrizando.

Acima: dá para ver que os brotinhos que iriam formar a continuação do tronco e o primeiro galho estavam aramados para orientar a direção do crescimento. Além de estar cicatrizando a grande ferida visível acima, a árvore toda está encorpando.

Abaixo: planta exótica de clima temperado, os Liquidambar se desenvolvem lentamente. São as árvores de que se retirava seiva, realmente muito cheirosa, para fazer xaropes (syrupe maple, em inglês, em português é chamado de "xarope de bordo" ou "xarope de Acer"). Perderam quase completamente as folhas nessa época, e as gemas já estão inchadas.

Detalhe: a planta cujas folhas aparecem no canto superior D da foto é um dos ipês amarelos (de uma árvore foram divididas 4 mudas). Acabaram de florescer e estão indo muito bem (é o ambiente deles). Não os fotografei dessa vez, pretendo fazer uma postagem só sobre eles.

Abaixo: mesma árvore da foto anterior, esse liquidambar tinha galhos demais, retirei alguns para evitar que a força se concentre muito na parte de cima da árvore: preciso que o tronco engrosse mais em baixo (dar conicidade). Não tem como fazer bonsais pequenos de liquidambar: ficam muito forçados, é desperdício, melhor deixar crescer mais uns 3 ou 4 anos. Em último caso faço um alporque dividindo o tronco em duas partes, e faço outra árvore com a parte de baixo, recomeçando. A parte de cima já tem galhos e movimento. Atrás dele, ao fundo, um viburno.
acima: Viburno. Vou deixar crescer muito ainda, por isso os galhos de sacrifício. Abaixo como estava em outubro de 2010, antes de ser colocado no chão. Dá para ver que já duplicou o diâmetro. Outra exótica muito bem adaptada ao cerrado.


Acima: cambuí (começado com estaquinha, quando tinha 1cm de diâmetro foi retorcida com arame, retirado um ano depois). Quando foi colocada no chão ainda tinha marcas do arame, agora já desaparecidas. Está com uns 6cm de diâmetro agora, quero chegar a 15.

Acima: iniciada por Sr Uedo Haibara (já falecido), antes de 2002, que plantou estaca com arame para ficar retorcida, esse Kaede acima já estava havia mais de 6 anos comigo quando o coloquei em pedra, em 2010. Estava como acima quando foi levado para o canteiro no chão. A foto abaixo é como estava em 22 de junho de 2012 (cerca de um ano e meio no chão). A intenção é ter um kaede ishizuke kifu (com uns 35 - 40 cm de altura). Na foto abaixo, além de ver como a árvore está engrossando, dá para ver a casca soltando placas. Isso sugere que a planta pode ser mais velha que eu pensava, pois kaedes só descascam com mais de 15 anos.

Acima: esse Callistemo (mirtácea exótica, Callistemon viminalis), com 8 anos (e dois anos no chão) está ficando sensacional: movimentos, conicidade rápida (começa bem grosso e afina rápido), muitas opções para fazer o ápice e a copa. Ainda não sei se o primeiro galho à D vai ser eliminado. Também dá para fazer um alporque nele e transformar a árvore em duas. Lembra muito as árvores do cerrado: casca corticosa grossa, galhos retorcidos, baixa e forte.

A foto acima não é o melhor ângulo dessa jabuticaba branca, mais uma mirtácea brasileira. Começada com semente, está indo muito bem, já tem uns 3cm de diâmetro. Muitas alternativas para selecionar galhos.

Acima: Um piteco ("rain-tree") no chão, iniciado com estaca há 3 anos, cresce muito rápido: já tem mais de 12cm. Está ficando muito bom, com movimento e muitas opções de galhos. A intenção é fazer um bonsai grande com ele (pelo menos uns 50cm). Está adorando o ambiente, muita matéria orgânica, muito sol e água. Dos galhos mais grossos compensa fazer alporques e estacas (pegam com relativa facilidade em outubro e novembro). Por aqui essas árvores são chamadas de "angicos de espinho". Não são comuns no cerrado, podem ser encontradas nas matas ciliares e de galeria. Mas seu ambiente de fato são a mata atlântica e as restingas do sudeste.


Acima: nativo, esse araçá vai dar trabalho, pois está tendendo a inverter a conicidade. Se brotar mais próximo do nebari, vou deixar crescerem galhos o mais baixo possível para engrossar bem a base. Costuma brotar quando estimulado pela desfolha.

Vistas as plantas (pelo menos uma parte delas), vamos ver o ambiente. Abaixo, não dá para saber quem é mais calmo: o cavalo a passo tranquilo no fim da tarde, ou João Pedro, aproveitando o passeio. A vista vai longe.

 Acima: a seca em 2012 está branda, choveu muito há dois dias. De outra forma, esse capim estaria já todo seco e transformado em palha.

 Na estradinha estreita, rumo ao bananal à frente. O cavalo também está em casa e não tem pressa nenhuma na ida. Na volta fica afobado e precisa ser contido ou dispara de volta, para ficar à toa.

Abaixo: bananal.



 Acima e abaixo: Paineira velhíssima, com visitantes exóticos (galinhas de Angola, Numida).

 acima: muito camuflada, no centro da foto, uma trocal ("pomba-verdadeira", ou só "verdadeira", Zenaida), choca no ninho que é quase só uns raminhos. Chocam na seca.

 Acima: pau-terra, Qualea grandifolia, uma das espécies mais típicas do campos e cerrados mineiros. Serve de inspiração para tentar estilizar bonsai. Minha referência, meu "estereótipo de árvore", tem muito dessas árvores retorcidas do cerrado.

 Acima: figueira do sertão ("gameleira"), Ficus pertusa,  muito velha (uns 80 anos), junto ao curral, onde é costume nas fazendas mineiras serem plantadas, para dar sombra. Nebari magnífico. O tronco raramente passa de 1,5 metros de diâmetro, mas a copa pode passar dos 20 (raio de mais de 10m), com grande área sombreada ao seu redor. As frutinhas alimentam muitas espécies de pássaros.

 Ipê amarelo. Muito alto, o tronco com cerca de 1,2m de diâmetro. Nativo.

 acima: Cattleya walqueriana, orquídea das matas ciliares e de galeria locais, florescem nesta época e são percebidas à distância pelo perfume, e localizadas pelas cores. Estou cultivando no viveiro para tentar fazer uma touceira bem grande. Agradescem muito bem os adubos foliares.

 Acima: não me detive para tentar identificar essa árvore. Seu formato serve de modelo para os shari.

 Acima e abaixo: essa árvore, umas das mais velhas à beira da estrada (desde que me entendo por gente está lá, e passo nesta estrada há mais de 40 anos, já era grande). Tem o nome curioso de "Gonçalo-alves". Trata-se de Astronium fraxinifolium. Abaixo vê-se como o tronco pode ser movimentado. Uma característica interessante das árvores de cerrado é a pouca frequencia de bom nebari. As raízes tendem a ser pivotantes e profundas, pouco ramificadas na superfície.


Abaixo: atualmente a árvore indiscutivelmente mais comum na região: grandes matas de eucaliptus, para madeira e carvão.

No campo sujo, umas das espécies que estou tentando obter: uma cagaiteira, Eugenia dysenterica, em flor. As frutas estarão maduras no final da estação seca, após as primeiras chuvas. Por aqui se diz: "cagaiteira não cai na poeira" (as fruta amadurecem após as chuvas já terem voltado).

Abaixo: típico da época, a flor do cipó de São João aparece nos barrancos, nas cercas, sobre as árvores. Nesse caso, sobre um coqueiro à beira da estrada.


Para concluir, um pouco do resto ao redor.

Abaixo: primeiro passeio a cavalo do Giordano. O cavalo se chama "Recreio", e é de linhagem na família há cinco gerações.


Abaixo: Recreio, Giordano e Fafá.

Orgulhoso cavaleiro, se segura no arreio. Breve tomará as rédeas.

Abaixo: comitiva saindo para passeio. Tareco, João Pedro, Recreio, eu e Gio.

Depois de quase 15 minutos de voltinhas na frente da casa, a comitiva se aproxima para o cavaleiro Giordano apear.


Tudo é diversão, inclusive misturar o capim dos bezerros ao fubá e suplemento.
E interagir com os cavalos para ir criando amizades.



Acima: os búfalos observam a movimentação à distância. Mansos, mas desconfiados.

Abaixo, detalhes de dentro de casa. Esses cabides são de chifre de veado campeiro, caçados ali há muitos anos.

Parede da sala, couro de onça. Esse veio do Amazonas. Por aqui as pintadas são muito raras. Muito mais comuns são as onças pardas, "suçuaranas".

Abaixo: planta típica do cerrado, um pequizeiro à beira da estrada, no local onde os meninos de férias, Tõe Lino e seu colega de grupo, Djalma, brincavam há sessenta anos.


Abaixo: começando a viagem de volta. São 230 Km até Belo Horizonte. Quem diria que em local assim, município de Abaeté, Minas Gerais, região do Alto São Francisco, sertão brasileiro, haveria plantas sendo cultivadas com pretensão a bonsai?

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